outubro 09, 2004

No Martim Moniz

No Martim Moniz, onde havia a Mouraria,
feira todos os dias
onde todos compram de tudo:
meias, fatos, fotos,
todos os cacos de um negócio ambulante
contrabandista:
estereofonia made in taiwan,
calças de marca feitas no minho,
sapatilhas de macau.
Feira de pretos, brancos, ciganos,
hindus,, soldados, retonados,
feira de todo o mundo às portas da Europa

Se vendem santinhos numa gaiola prefabricada
decorada à maneira de Lisboa antiga.
Um ervanário agora dito macrobiótica
tem ervas pró rins e prós intestinos
Mais adiante, numa tasca cheirando a fritos,
untosos hamburguers, em vez de pregos e bifanas.
Bacalhau à mouraria
é sempre prato do dia

Luís de Camões fez um soneto

Luís de Camões fez um soneto antes de haver crises petrolíferas. Li o soneto depois das ditas e senti-o vivo.
Logo, as crises petrolíferas não impedem a poesia. Além disso, até podemos fazer sonetos às própria crises petrolíferas, especialmente se uma fundação qualquer assente no petróleo nos vier a subsidiar para o efeito. Basta fingirmos que somos poetas e não termos efectivamente petróleo. Eu prefiro continuar a ler Camões. Em silêncio. Sem fundações.

Este prazer de escrever

Aqui me apetece este prazer de escrever e rescrever-me, sobre os dias que passam em sucessão. E quando até perdemos o controlo do calendário e ficamos sem saber o número que o marca e o próprio nome que o coloca na semana, antes e depois de mais um fim-de-semana, quando a gente da cidade faz fila de fuga para fingir que há tempo de ter tempo . Eis aqui meus dias, ditos de férias, este silêncio estival das noites estreladas, os dias livres de vento, onde vou lendo e relendo quem somos, diante de quem fomos e das presentes circunstâncias.
Os anos pesam. Os sonhos por cumprir pesam ainda mais. A solidão é cada vez mais silêncio. O tempo, as horas que devagar nos esmagam.