dezembro 18, 2008

Ter um qualquer lugar que me dê lugar

Sinto que necessito, aqui e agora,
de umas quaisquer mãos livres
que me dêem espaço
para um qualquer lugar no mapa dos sonhos.
Um qualquer signo
que me possa transportar
para novos dias,
diante de quem sou.
Dias de quem, na verdade, sou.

Ter um qualquer lugar que me dê lugar,
que não esta espera sem mãos de espera,
este desejo de ficar e de sofrer.

Olho através da janela o pequeno pinheiro,
o melro de bico amarelo, avermelhado,
as flores vermelhas da jardineira,
a água da ribeira e o céu inteiro sem uma nuvem sequer. E sabe tão bem sentir, no azul da rua, a mesma cor que tenho dentro de mim. Sabe tão bem sentir a vinda de mais um dia e apetecer vivê-lo, na paz inteira, sem que as nuvens do remorso e do pecado me toldem a memória.


Perdi o meu amor, por desejar ir além
das mãos que me prendiam,
quando, na curva de um caminho
que, afinal, já não havia,
me volvi.
Renunciámos ao azul do mar,
das águas correntes,
das sombras frescas.
Sinto que a Primavera não vai voltar,
nem depois de sofrermos a invernia.
Não posso continuar a sofrer a dor de não saber,
de todos os dias ter que conhecer
memórias de tempos que não quero conhecer.

Preso no lodo,
envolto em dor,
foi por ti que chorei em descaminho.
Folha de vento, solta da árvore,
meu corpo se perdeu dentro de mim.
Perdi o norte e o sinal
de procurar o signo de amarar.
Não posso partilhar meu rumo
na terra pisada,
onde crescem flores que não semeei.
Há sucessivas frustrações
que nenhum correr do tempo
pode, afinal, apaziguar.

De meu além não vim
e assim perdido,
perdi a voz.
Sinto-me intruso,
foragido,
proibido.
Afinal, era verdade o lado lunar
que te ocultava,
o soporífero paraíso
de um exótico comprado
em qualquer agência de viagens,
essas teias de luxúria a que chamam prazer,
as orgias dos acasos enevoados
que esmagaram gestos de pureza,
nessa rodilha decadentista de carnes flácidas
com que a loucura vai cercando o desencanto.
Quem, estando à porta do ser,
nele não quer entrar
pode não ter razões
que o façam mover.

Há páginas de dor que vamos escrevendo
para ninguém as possa um dia ler,
nem eu próprio,
páginas e páginas impublicáveis,
com que vou tentando apagar
as mágoas das noites sofridas em solidão,
sem conseguir desligar da angústia
que me agita e
não consigo verbalizar.
São páginas e páginas em que me sofro
e refreio
e que não compenso
nos fumaradas opiáceas
com que outros enevoam o mundo.

Sinto quem sofro,
mas não consigo livrar-me dos fantasmas
que dentro de mim volteiam.
Não consigo superar estes receios
que me agridem em surdina.
Me receio,
me refaço,
me retomo.
Mas não consigo vencer a futilidade
e esquecer
a força do vento
e o perfume da caruma nos pinhais.
Prefiro manter o sonho
de procurar a perfeição.