dezembro 18, 2008

Chegou, de repente, um pedaço de céu azul

Chegou, de repente, um pedaço de céu azul.
E o meu irmão pardal escapou-se
largando o espaço
onde minhas mãos o poderiam acariciar.
Apeteceu-lhe também não ter gaiola,
horários, calendários e agendas
nesse ter que fazer, para se fingir viver,
entre cartas de bancos, declarações de impostos
e outras algemas de uma cidadania
de trabalhador por conta de outrem,
beneficiário e contribuinte
por causa da assistência na doença
e subsídio para o funeral
deste belo Estado de Bem Estar.

E lá vem o sol, antes de ser poente.
E toda a barra fica plena deste azul de Lisboa,
desta luz a mais que nos dá desejo
de viver intensamente,
apetecendo sentir a música que me chega
destes sinais de primavera.
É a luz que me alumia e me dá sonho.
E força para vencer as nuvens e penumbras
que me toldam o silêncio.

E fui ao fundo das águas.
E, livremente preso,
me veio o doce prazer do movimento,
de poder cumprir o desafio de atravessar o rio
que nos separa.
Navegar para a outra banda,
derrubando a margem,
nesta procura por onde me vou buscando,
neste prazer de viajar em mim,
dentro de mim,
dando o meu corpo ao movimento,
em busca de um sonho que não acho.
E assim disperso pelos pedaços de vida
que, apesar de vivida, continuo a procurar,
fui peregrinando rumo à linha que limita
a minha vida,
esse risco de bruma que vai além
do que sinto e penso.

Que apetecia viver e reviver,
procurar longe daqui,
um qualquer lugar que apenas fosse meu,
um lugar onde pudesse regressar
a quem na verdade sou.
O lugar onde poisar meu verso,
a palavra prometida
que resguardo em sonho,
mesmo quando penso deter
as mãos fechadas que me dão revolta.
E sempre este sonho de procurar quem somos,
nas ruas abertas à brisa suave.