dezembro 18, 2008

No alto da falésia da minha vida


Foi aqui que fomos nós,
um dia,
quando o Verão nos dava
espaço de saudade
e a água, amarga de sal,
nos animava.
Quando corpos salgados,
pelas areias,
se passeavam,
e um longo pôr do sol
nos amainava
a fúria dos dias.

Foi aqui que fomos nós,
em vida.
Foi aqui, entre anchovas e coentros,
na sombra breve dos pinheiros,
na pedra negra do cais que nos deu mar,
foi aqui que sonhei
ser para sempre
quarto crescente
e um sol de fogo, a ocidente
prometendo regressar.
Foi aqui que vi nascer o dia
no alto da falésia da Arrifana,
no alto da minha vida,
quando disse não
aos dias que sofria
e, contigo, viajei comigo,
dobrando a névoa do tempo,
a raiva amarga da renúncia.

Foi aqui que, por mim dentro,
me esqueci de quem sofreu
a espera de te encontrar,
desses dias todos
de mãos por dar,
de um amor por cumprir.
Foi aqui que me esqueci
de um tempo que já não há
e que, olhando o sol de frente,
contra mim, venci
a ira dos dias
que foram fantasia.
Foi aqui que não ouvi
o silvo do farol
em aviso de naufrágio.
Foi aqui que, dentro de mim,
vivi quem na verdade sou.
E tudo quem fui
antecedeu quem sou,
como no estampido
de um sonho adolescente
nesse encontro de menino
que me deu sinal de navegar
nos mares em do meu silêncio.
Tudo quem sonho
desceu assim dentro de mim.
Foi aqui e foi assim.
Não guardarei segredo
e a todos poderei dizer
que amanhã será o sonho que sonhei
feito viagem.
Foi aqui e foi assim
e assim será para sempre
um tempo de areia e urze,
que foi assim que apeteceu que fosse.
Foi assim, na margem de quem sou,
na ponte que me levou ao sonho,
onde, além de mim,
me atravessei
Foi aqui que, contigo, vivi
pela primeira vez
quem sempre fomos.
E aqui seremos plenitude,
se vencer a força de sonharmos
e o mar nos der
a ira de chegarmos
dentro de nós, além de nós.