dezembro 18, 2008

Uma nostálgica identidade rural

Sou um puro e duro neto de campónios
que, na cidade educado e vivido,
prefere acreditar que ainda pode ser rural,
dado que lhe foi dado aprender
o sentido das árvores,
o correr das ribeiras,
a breve leveza dos pássaros
e a fragilidade das flores silvestres.
Tenho também a desarmonia
breve das colinas,
o agreste das brisas
e a variedade de um valado verdejante,
onde a suavidade aparente
daquilo a que, à distância, chamam paisagem,
esconde pedregulhos,
e silvados
e a intensa vida microscópica
de biológicos e minúsculos seres.
Sobretudo das formigas e das lontras
que, dia a dia, escavam e levam
pedaços de húmus
e restos de bichos e plantas.

Por trás desta máscara, feita olhos de menino,
mãos de escrever
e adornados cabelos e barbas,
esconde-se um ser feito revolta,
ainda em pleno
na sua fúria de viver,
que tem as mãos calejadas pelas cordas
que sustiveram seu navio,
com unhas enegrecidas
pela terra que semeou,
para moldar em barro
a sua própria estátua de sonho.

Não tenho a vaga fé dos nostálgicos
que procuram o regresso da magia,
nem a messiânica, ou angélica, crendice
e ânsia por cumprir
dos que esperam um qualquer encontro,
de um qualquer grau, iniciático ou profano,
com a aparição do transcendente.