dezembro 18, 2008

Correntes de geração

Para que os grandes escritos possam emergir,
são precisos muitos escritos menores
como aqueles em que me perco.
Que eles apenas servem como elo
de uma corrente de geração,
nesta simples missão de recolector e transportador
de sementes que, noutros, hão-de frutificar.

A cultura é precisamente o inconsciente fruto maduro
que o curto prazo da nossa vida terrena
não permite vislumbrar.
Que outros virão depois de nós
E, neles, o nosso eu se realizará
na mesma procura do eterno,

Porque eu apenas transmito
o que outros, antes de mim, deixaram.
Todos somos muitos outros
que em tempos passados semearam
a emergência de quem somos
e nossas mãos de escrita apenas existem
para se entregaram a uma missão.
Porque outros serão, depois de nós,
o nosso sonho
e neles nos devemos diluir
em plenitude.

Nós e aquilo que temos a ilusão de criar
não passamos de mera poeira de um caminho
que nossos vindouros hão-de calcorrear.
Apenas somos parcela
da longa corda de transmissão
de um sinal de sonho.
E é assim servindo
que poderemos conquistar a eternidade,
mesmo que ninguém o registe
em qualquer nota de pé de página.
No intervalo, apenas seremos compreendidos
Pelos companheiros de procura
mesmo que deles se não recebam
anónimos sinais de irmandade.

Quem tem a consciência de assim estar vivo
sabe sentir o silêncio dos que, em fidelidade,
com ele comungam do mesmo ideal de vida.
Apesar de nos podermos sentir sós,
sabemos, intimamente, que muitas outras mãos
nos querem dar as suas mãos de escrita.
Quem tem a força de uma convicção
plena de sentido,
sabe que poderá continuar a ter o prazer de caminhar
e de sentir que a beleza o há-de iluminar.
Há sempre um largo espaço de mar
que poderemos sulcar.
Há navegações por fazer.
Ilhas por descobrir.
Cabos negros por varar.